I’m going through changes
Tava lendo uma carta antiga tua. Daquele tempo em que a gravidade ainda segurava os meus peitos olhando pro céu e a cabeça ainda vivia nas estrelas. A carta dizia que a gente não ia dar certo e coisa e tal e esse foi o primeiro sinal para pisar os dois pés no chão e esquecer de vez essa ideia de flutuar dançando por amor da sala para a cozinha. Hoje, dia em que os peitos não são mais os mesmos, tampouco a cabeça, o coração volta a bater descompassado porque o devir é certeiro e há um olá depois da despedida de quando os olhos miram o que tem dentro de mim, dentro da gente.
A vida é um enigma cabal em que só existe certeza na eterna dinâmica das mudanças que transformam a gente todo dia e a cada despertar ou nascer do sol que beija as flores, os pássaros e colore o céu de azul quando abrimos os olhos. Aquele dia que te vi de terno eu tive certeza: certeza de que tudo muda. O hippie que tocava música ao amanhecer tinha virado um burocrata que fazia contas de tudo. De dinheiro, de horário e todo preocupado com a agenda. Os olhos não mais voltados para o presente, mas desejosos do futuro bem-sucedido tão criticado em tempos anteriores. Roteiro pronto prum filme de drama tipo Click e quando e como e onde e por que a gente se perdeu?
A gente se encontrou depois de tantos devenires num restaurante italiano em São Paulo, e no alto de um desses prédios cheios de histórias de fantasmas, você tocou a minha mão enquanto tomava uma taça de vinho. Disse que eu mudei, mas continuo linda. E a nossa pele tem memória. Nem pensei mais sobre as palavras e desejei ardentemente antever as cenas do próximo capitulo de quando, com mais de 30 a gente não inventa muita burocracia pra trepar. Provalvemente esse toque de mãos nos levaria ao seu apartamento esvaziado de emoções e cheio de tanta mobília. Nossas roupas ficariam jogadas pela casa e só procuraríamos por elas de manhã, sem pressa de isso acabar, sem pressa de o dia nascer de novo. Durante o jantar, lembramos do passado e demos boas risadas. Você também se lembrou de mim porque não se desgrudou mais da minha pele, à medida que o vinho tomava conta das nossas cabeças, das emoções e de todo o resto.
Depois de um tempo, veio a sobremesa e eu não conseguia mais pensar em nada, a não se na gente esparramados pela sua cama assistindo uma comédia besta depois do amor.
Profiterolis?
Por favor. Harmonizando com um doce Moscatel de Setúbal porque da vida a gente tem que aproveitar, sorver, digerir, beber, viver e tocar em todos os prazeres, antes que tudo acabe e a gente nem tenha mais tempo de se despedir. Risadas, sorrisos no carro depois do vinho e as mãos entrelaçadas que me conduziram à portaria, à porta do apartamento, à cama em seus lençóis brancos e ao máximo êxtase dos velhos e dos novos tempos.
Seus peitos são uma delícia. Continuam lindos como sempre foram.
Meu Deus e eu toda temerosa me escondendo. Mas depois de um tempo a gente aprende que não foi feita para agradar, mas sim para agradecer. Meus peitos, assim como os meus olhos, não olham mais pro céu. Só querem aproveitar o presente nos máximos gozos e visão promissora, que precisa estar bem aguçada para encontrar uma calcinha amanhã que sabe-se-lá-onde-estará.
De volta para a vidinha burocrática em Brasília. Sorrisos nas mensagens, demora na resposta, obrigações do futuro e uma ausência inexplicável que a pele dele me deixou. A gente não ia dar certo. A gente não ia dar certo. A gente não ia dar certo: seus pensamentos ecoavam. E me enchiam de certeza: a gente deu certo. Não da forma que tem que ser, mas da forma que já foi. Da forma da gente. Foi bom respirar um pouco do passado quando tudo era mais leve. Quando tu era só um hippie e eu mirava o céu em busca de respostas.
Que ainda não chegaram pra mim.