Dani Ribeiro
2 min readSep 30, 2022

O que a sua janela diria? Esses são meus gatinhos Jorge e Felipa. Minha companhia desde que o Antônio se foi. Ele partiu no fim de uma tarde de domingo, em agosto de 2013, depois de um almoço que estávamos em família. Tenho a alegria de ter servido a ele, pela última vez, o prato que ele mais gostava: bacalhau com bastante azeite e batatas ao murro. Depois de almoçarmos juntos, nossos dois filhos Marina e Fábio e os nossos cinco netos Théo, Alice, Érica, André e Daniel, foram embora. Marina disse que tinha uma festinha de criança para levar os meninos. Fábio falou que iria buscar a esposa, pois eles iriam pra academia segunda bem cedinho e os filhos iriam voltar para as aulas. “Tchau, mãe. Preciso comprar umas verduras no Bigbox também.”

Todo mundo vai seguindo a vida. Sobramos só nós dois. Eu e Antônio. Cinquenta e dois anos juntos. Lidando com todas as partidas, com todas as dores, com todos os rompimentos. Juntos. Celebramos conquistas, aniversários, formaturas, casamentos. Curtimos muito a vida. Viajamos demais, benzinho. Conhecemos vários países, culturas e multiplicamos sorrisos. E era 19h quando o vi pela última vez. Primeiro o desespero em seu rosto, depois a calma e o serenar rapidamente após a doença que o acometia há dois anos. Meu Toninho partiu aos 78.

Liguei para os filhos e para os vizinhos, desesperada. Os compromissos foram cancelados por motivo de força maior. A alegria de viver se esvaiu por alguns meses, por alguns anos. Logo após a partida, a casa ficava cheia, mas, todo mundo foi seguindo a vida. Fiz yoga, crochê, terapia, costura, grupo de terapia para enlutados. Passou. A gente sobrevive a tudo, menina. Meus filhos vêm de vez em quando me alegrar. E os netinhos adoram brincar com os gatinhos, quando não estão com a cara enfiada no celular, é claro. E esses são Jorge e Felipa. Meus companheirinhos. Minha neta me ensinou a fazer um instagram pra eles. Me divirto com as risadinhas dela! Vez em quando eu desço pra debaixo do bloco, contemplo o vazio da rua e fico olhando meus gatinhos lá de cima.

Essa é a vida que Deus me deu, minha filha. Qualquer hora ele tira.

Janela na SQN 415.

Dani Ribeiro

antropóloga no boteco e tchutchuca no bistrô. Fã de arte, de cultura e da trivialidade da vida | danielesouzarp@gmail.com